sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Seu D.

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Pouco me importa sua boca pródiga em palavrões ou as vezes em que socou um vizinho e quantos puteiros freqüentou. Dele ainda em mim carrego somente a firmeza do azul por trás dos óculos muito espessos e a candura de quando punha a mão em meu ombro e me chamava de nego.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

CL

Linhas de chocolate, fios de chocolate amolecido em paralelas. Um palito de dente corta transversalmente criando uma malha de pirâmides aneladas. Essa era a forma das nuvens que vi pela manhã. Do meio da ponte, onde o horizonte se escancara. Foi de lá que entendi que as nuvens são o algodão doce do crepúsculo, por ele devoradas, carcomidas pelos seus dentes de magenta e ocre.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Duas pequenas frases do dia

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* Nunca, em toda minha vida, chorei de alegria


* Não quero viver escravo de criar outras metáforas

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

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TENHO DE ADMITIR QUE A DOR DESEMPENHA SEU OFÍCIO COM EXCELÊNCIA.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Sobre barcos, baleias

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O barco do pescador é a metade de uma baleia que se desentranhou e se deixou secar na praia, os bancos do barco do pescador são as costelas fraturadas da baleia, o barco do pescador flutua por reminiscência e com a vingança de não revelar os segredos do mar, apenas pô-los nos olhos do pescador que flutua pelo espelho das águas.

sábado, 7 de novembro de 2009

Almoço, sábado

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Para ocupar o cinzeiro de um não-fumante, algumas espinhas de peixe. O gelo demais pula do copo para o prato com o auxílio de um garfo. Pobre do molho da moqueca.




Uma aranha à paisana entre o líquen usa suas patinhas como britadeira tateando a casca e descobrindo o caminho que só dá em mais árvore.



O chocolate derretido que escorre por entre as bolas de sorvete endurece como uma escultura cartográfica, de modo que, após comermos o sorvete, resta no fundo do pote o retrato tridimensional das rugas do sorvete, as cordilheiras do sorvete, a máscara mortuária do sorvete.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

De vigília não morrerás

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Arquivei minha carta secreta com meia dúzia de cassetes e dois gnomos inválidos. Dei-lhes a prerrogativa de guardiões. Talvez não gozassem da pujança corpórea de um leão; eram, porém, sorrateiros e improváveis.
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quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Um dedo no meu joelho

Nasceu um dedo no meu joelho. Não dei muita importância. Era inverno, eu usava calças, eventualmente ceroulas. Mantinha-o rente à perna. Depois veio a primavera e eu comecei a achar estranha essa história de ter um dedo no joelho. Eu queria usar bermuda e a vergonha impedia. Sim, era um dedo na íntegra, com articulações e unha. Seus movimentos eram controláveis, embora fossem lesados. Já estamos quase no outono. Nada de eu dar jeito nessa situação. Os japoneses virão atrás de mim pensando tratar-se de um truque da mecatrônica; os hindus julgar-me-ão deus; a Scientific American dedicará páginas em minha homenagem. Mas é uma coisa inútil. Nem de surubas eu participo para dar-lhe função. Talvez tocando piano. É, parece uma boa idéia. Seu apelido será nariz de Chopin.

Elucidando a platopatificação

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Termo inventado por mim e por Iam Campigotto

Pois há que se admitir que o pato, antes de mais nada, traduz-se no alto signo da obviedade. Patificar um objeto, ou seja, conduzi-lo às raias da evidência. Isso desemboca na neutralização da coisa, tornando-a um vulgar situado em um ponto-cego mecânico; bem como potencializa a preservação da mesma na casca de sua banalidade. Por sua vez, consiste a platopatificação no cristalizar-se sacramental de algo, ocasião em que será depositado em um estado mórbido de invisibilidade artificial e compulsória.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Monólogo da pêra


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Pêra, estás a três palmos de distância do meu nariz. Chegaste aqui de algum modo e por algum artifício. Fui eu. Pela manhã, passei na feira perto do trapiche e do farol. Não havia, a rigor, ninguém na praia. Esqueci por que te comprei. Em princípio, eu queria apenas maçãs; porém, achei-te com muita vida para que te negasse. Não obstante a pilha de verdes, eras tu, ou depois tu te tornaste. Vieste humilde, envolta em um saco de pão, e creio mesmo que nem pensei em ti no caminho até a casa. Senti, contudo, agora há pouco, que tinhas vocação para enfeite. Pus-te numa bandeja sobre o criado-mudo ao lado do sofá que ora me suporta. Sentei para ler o jornal, mas tu me seduzes. Joguei as folhas com cheiro forte de tinta no chão e me apego a ti. Entorto-me até que estejas muito perto de meu rosto. É o nosso destino, acomodemo-nos. Parece que não és à-toa. Algo me fez dar aquelas moedas em teu nome. Outra razão me levou ao local. Alguém te colocou exposta. Nasceste de alguma terra. Vamos cometer uma violência: estás comigo, pois, para mim, foste bela. Gosto de tua cor e de tua silhueta. És muito simples e serena. Quem sabe tu gostes também de mim. Meu caminho cruzou com o teu e isso é, de certo modo, tudo ou muito. Minha vida não é a mesma agora que chegaste. Nem esta sala. Tampouco tua história. Tu te inscreves na minha memória e quanto mais te encaro tantas outras coisas te sou e me és. De fato, eu paro em ti e fixo. Abro os lábios e lanço: diz-me. Há bastante silêncio. Recusas-me qualquer resposta, o que não indica que não me tenhas compreendido. Talvez eu seja portador da ignorância de tua língua. Ou quem sabe dispenses a comunicação, tendo se fechado nestas ancas gorduchas após um olhar primitivo e desinteressado sobre o universo. Nada se te apresentava incógnito ou digno de curiosidade e optaste pela conversão em pedra mais folha. Poderás ainda consistir no embrião de um ente que dorme com pálpebras lassas e um tanto divinais. Não é meu desejo que acordes, não por enquanto. Ouso mirar-te sem saber que um dia me criaste em um sopro. Tocar-te? Postergo um pouco. Observo tuas sardas salpicadas por toda a casca. Julgo serem cicatrizes de milênios, ou a tenra doçura do acaso. As minhas bochechas, de certa forma, espelham-se em ti e para elas tu significas realeza. Desliza já por minhas veias o arrepio trágico a revelar que terei saudades de tua presença. Isso, em geral, chamo de amor. Sei que, como o meu, o teu corpo carece de eternidade. Tenho forte intuição, profecia, de que perecerás primeiro. Continuarás dentro da minha cabeça e pintarei quadros em tua homenagem. Lembrarei eventualmente de tua decadência sublime. Em suma, nada mudará a não ser uma perda de possibilidade, qual seja, a de ter certeza de que te apalpo, o que, aliás, pode-se mitigar nos sonhos e alucinações. Por outro lado, cogito a idéia de te unir a mim. Cravar os dentes em teus músculos de areia. Eu jamais usaria faca contra a tua carne. Seria minha própria boca até desfaleceres, lambuzar tua pele áspera, como um sacrifício. Glorificar-te pela saliva: a própria redenção. Tranqüiliza-te, não disponho de coragem. Mais fácil seria eu fabricar um escafandro ou enfiar-te logo em uma redoma. Formigas. Tenho pânico de que sejas alvo de um ataque noturno e de que cupins te açoitem, pássaros te roubem. Para mal ou para bem, já me afiguras como um porto seguro e inesgotável. Chamar-te pêra soa já absurdo. Pêra é o pórtico de qualquer fruta estúpida com tais trejeitos. Todavia, admito que o acento circunflexo sobre a letra ‘e’ representa fielmente a tua voluptuosidade de cera. Julgo-me de todo incapaz, ademais, para batizar-te com outro nome. Tanto faz. Compreendo, sobretudo e neste exato momento, que tu sejas a lágrima perdida de um dragão corcunda, e eis o que deveras me resta.

domingo, 1 de novembro de 2009

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Eu não tenho nada para escrever, salvo o que acabei de digitar e também que é um saco ter de registrar excetos óbvios.

sábado, 31 de outubro de 2009

Mínimas máximas [primeira entrega]

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I) O Dinho do Mamonas Assassinas aprendeu a cantar com o Belchior (que fazia dupla com o Bob Dylan).

II) A torre da caixa de água no átrio da Biblioteca Universitária da UFSC é um panóptico desajeitado.

domingo, 18 de outubro de 2009

terça-feira, 13 de outubro de 2009

A menina que engoliu um passarinho

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Era uma vez uma menina que não sabia assoviar. Ela foi até a varanda de casa, abriu a portinhola da gaiola, meteu a mão e engoliu um passarinho. Sucedeu, então, que ela só precisava fazer um bico e fingir que assoviava enquanto o passarinho cantava em seu estômago. Pouco tempo depois, o hóspede passou a cantar apenas se ela engolisse alpiste. Ou ele cantava em momentos inoportunos, como na hora de dormir; e ela emborcava um copo de água, porque passarinho ensopado não pia. Ao final de quatro dias, ela pôs o dedo fundo na goela e nunca mais assoviou.


Final alternativo: Ao final de cinco dias, ela plantou bananeira e o passarinho escapou.

Outro final possível: Ao final de seis dias, ela traçou uma feijoada e soterrou o passarinho.

sábado, 10 de outubro de 2009

guarânia

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a gente baila provocando pequenas fraturas
nos ossos do azar e cobrindo com lantejoulas
as charnecas de sapos rabugentos.
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segunda-feira, 5 de outubro de 2009

a ostra (e o vento)


o vento desfolha a ostra naquilo que lhe faz corar dentro de sua pele de creme e agrião

sábado, 3 de outubro de 2009

E-mail de verão

Oi, cara. Bom ter notícias tuas. Ela não te quer mais, desculpa. O cachorro-quente da esquina fechou. Empacotei os teus vinis. Eu e o camelo descobrimos outro atalho. Saudades.

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Na ponta do cronópio um pé

Náusea, verde, bile. Cronópio, verde também. Só que outro verde. Amarelo, angústia, dentro do corpo. Já cronópio, ainda verde (ou vento – digo, contra o amarelo). Cronópio (igual a) falta de angústia e cronópio (igual a) outro tipo de náusea. De vertigem gostosa. Instantânea, de corda bamba. Sim, o cronópio tem um pé. Que serve não para andar. Mas para: a) pisar no pé do outro cronópio; b) andar na corda bamba (só para ressaltar); c) dançar música dos anos 80; e d) ficar para fora da coberta.

sábado, 26 de setembro de 2009

Brother Baruch

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Encontro na Ética, de Spinoza, a Proposição XLIV - Corolário II -, que resume, em grande parte, o afã ocidental:
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É da natureza da Razão perceber as coisas
sob um certo aspecto de eternidade.
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terça-feira, 22 de setembro de 2009

Então, não é natal

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Sinto que, paulatinamente, o ‘então’ (desde que seguido de uma pausa reflexiva) se converte no arauto da escusa, é o martírio clichê da esperança. Vide dois exemplos já clássicos:


- Então (pausa) não vai dar mais.
- Então (pausa) acho que mudei de idéia.
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segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Dança com o lobo

Tem um curta brasileiro chamado O oitavo selo. É a história de um cara que ingere cianureto e recebe a visita da morte personificada. Antes de qualquer um efetivamente bater as botas, ela dá um toque no corpo da pessoa. Às vezes, porém, enrola um pouco, senta no bar, aceita um copo de cerveja, joga sinuca, faz a última sessão de terapia com os, por assim dizer, encaminhados. E bonito é que ela dança com as pessoas para só então realizar sua tarefa burocrática. Pois bem, faço questão de ir lhe avisando, dona morte: eu não sei dançar, mesmo.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

sobre a fala

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é matar um desejo de impacto
entubar a narina submersa
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quarta-feira, 9 de setembro de 2009

A's-M


Eis a primeira banda no mundo
com nome e capa do primeiro CD
sem ter ainda qualquer integrante.